quinta-feira, julho 31, 2008

Gastos do governo: novo bode expiatório

Em tempos de corrupção e desperdícios de recursos públicos sendo noticiados pela mídia, talvez nunca na história desse país, tantos economistas critiquem o (suposto) excesso de gastos públicos como atualmente. Isso não significa dizer que exista consenso sobre esta constatação por parte desses profissionais, até mesmo porque as controvérsias sobre um mesmo assunto é algo que sempre acompanhou os economistas ao longo da história.
No Brasil, em termos de proposições de política econômica, os economistas são didaticamente classificados em duas correntes: ortodoxos e heterodoxos. Os primeiros geralmente pregam que os instrumentos de política econômica sejam empregados com vistas a garantir a estabilidade nos fundamentos macroeconômicos, primordialmente a inflação e as contas públicas. Já os segundos, também chamados de desenvolvimentistas, defendem o uso de tais mecanismos com o objetivo de estimular o crescimento econômico. Os ortodoxos costumam crer que a política macroeconômica não serve para estimular o PIB, pois quando o governo adota uma política expansionista, acaba por gerar inflação, o que os heterodoxos tendem a discordar veementemente, ou melhor ainda, pontuam que nem sempre isso ocorre.
Essa controvérsia possui raízes teóricas, metodológicas e mesmo ideológicas, que não convém esmiuçá-las aqui, até porque o espaço é exíguo e o penso que o leitor urge por mais objetividade por parte do escritor. Todavia, vale resumir algumas teses defendidas por economistas de ambas correntes para a economia brasileira nos últimos anos. A ortodoxia já pregou abertura comercial e financeira, privatização, reforma previdênciária, regime cambial (semi)fixo, taxas de juros altas, controle das contas públicas,..., e levou!!! Tudo isso já foi praticado, de modo mais intenso a partir de 1994. De lá pra cá, houveram melhoras em alguns indicadores (como o IDH), mas o setor industrial e o PIB não lograram obter desempenhos a contento desde então. Depois de todas as proposições ortodoxas de política macroeconômica serem impostas e praticadas no Brasil, o bode expiatório da vez tem sido os gastos públicos. Recentemente, um dos maiores expoentes dessa corrente, o Sr Gustavo Franco, em entrevista a Marília Gabriela, disse: "o problema é o excesso dos gastos públicos". Em artigo da Zero Hora de ontem, um economista menos famoso tacha o nosso governo de "gastador", ao qual o supostamente o BACEN estaria a mercê, sendo impedido de praticar uma política de juros mais eficiente. Curiosamente, no mesmo veículo de informação, saiu uma pequena nota informando que o governo economizou R$ 86,116 bilhões no primeiro semestre de 2008 do total arrecadado (um considerável superávit fiscal), representando cerca de 6,2% do PIB, sendo a maior cifra já obtida pelo nosso governo desde 1991!! Por superávit fiscal, leia-se uma arrecadação tributária maior do que o montante de gastos públicos. Ora, como então podemos falar em "excesso" de gastos públicos? Algum ortodoxo poderia dizer que o governo se obriga a lançar de uma carga tributária de 37% do PIB para fazer frente aos seus gastos. Pois bem, se o governo reduzisse a sua carga tributária para 30,8% do PIB, ainda faria frente ao volume de suas despesas. Por que não o faz? Porque usa a taxa de juros como único meio de controle da inflação. Mesmo quando os preços aumentam por causa de quebra de safra e aumento do preço de commodities agrícolas, ou seja, pelo lado da oferta. Pois mesmo citando esse fato, o economista menos ilustre, autor do artigo em Zero Hora aqui referenciado, o explica como um mero "aumento dos preços relativos". Como se este aumento não impactasse de modo significativo no orçamento dos consumidores, que é fixo no curto prazo já que os salários não o acompanham, deteriorando o seu poder de compra. Então vejamos: os institutos de pesquisas de preços observam um crescimento dos "preços relativos" de alimentos, o que eleva o índice de preços ao consumidor, como o IPCA, mas isso não é inflação!!! Chamar este fenômeno de "variações não inflacionárias", baseando-se na teoria monetarista de Friedman, como se o governo fosse o único responsável pela inflação, e mais, supondo um consenso entre os economistas em relação a esta visão tem duas implicações: ou ele desconhece o debate dentro da Economia entre monetaristas e pós-keynesianos, ou pretende esconder isso do leitor de Zero Hora por razões desconhecidas e/ou suspeitas.
Ao contrário da base teórica a qual se alicerçam Gustavo Franco e o outro economista, existe a teoria pós-keynesiana que supõe que: 1) a moeda não é neutra, afetando crescimento; 2) existe inflação de custos, logo, o que importa são os preços nominais e não "relativos", dentre outras hipóteses menos relevantes para o entendimento do caso em questão. Desse modo, os fenômenos atuais causadores de elevação dos preços agrícolas, negligenciado pelo autor do artigo de ontem, são fundamentais para explicar a variação da taxa de inflação. A moeda, ao contrário do que pensam os ortodoxos, não é um fator explicativo relevante para a alta inflacionária vigente no Brasil.
Já com relação aos gastos públicos, pode-se ser debatido se o Estado não deveria gastar melhor, reduzindo despesas administrativas e alocando mais recursos em suas atividades fins, como serviços em educação, saúde, habitação, assistência social, etc. Também poderia ser debatido do porquê do governo ter um superávit fiscal de 6,2% do PIB, que são boa parte consumidos pelos gastos com juros que se elevam consideravelmente cada vez que o governo aumenta a taxa SELIC. Responsabilizar os gastos públicos pelo excesso de moeda que o BACEN emite, o que estaria por sua vez causando inflação, parece-me longe de consenso entre os economistas. Se assim fosse, como explicar a redução da taxa de juros e o aumento de gastos pelo FED americano, sendo o déficit público norte-americano astronômico? A despeito de vários economistas não defenderem estas medidas para o Brasil, a teoria só teria validade para a nossa nação? Ademais, nossa dívida aumenta também por causa das altas nas taxas de juros, tanto é que desde que o governo começou a reduzir a taxa SELIC, a dívida pública acompanhou esta trajetória descendente. E mesmo com o suposto excesso de gastos públicos, os superávits fiscais durante o governo Lula tem sido até mais expressivos do que os obtidos por seu sucessor. Curiosamente, quando o governo FHC, em sua primeira gestão, privatizou estatais e aumentou consideravelmente os tributos, o superávit fiscal sobre o PIB era bem menor e nenhum dos economistas ortodoxos acusava o governo de "gastador". Creio que "gastador" é aquele que supera os seus rendimentos com despesas de consumo, caso pouco aplicado ao governo brasileiro. Quem de nós economiza 6,2% de nossa renda num semestre? Dada a baixa taxa de poupança do povo brasileiro, face a má distribuição de renda, até que nosso governo tem sido positivista, ou seja, tem dado o exemplo ao setor privado.

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