segunda-feira, novembro 12, 2007

Tropa de Elite: uma história sem mocinho

Após assistir ao filme "Tropa de Elite", é inegável admitir que se trata de um filme que mexe com os brios de qualquer um. Acho dificílimo que alguém assista e fique indiferente à história toda como é contada, bem como a certas cenas fortes de tortura.
Para quem quiser acesso a uma análise bem balizada sobre o filme, sugiro a audição do comentário de Arnaldo Jabor na CBN. http://cbn.globoradio.globo.com/cbn/comentarios/arnaldojabor.asp
Aqui pretendo avaliar a questão de outro modo: as razões e motivações de cada um dos grupos retratados no filme. Eu identifico quatro deles: 1) os traficantes; 2) a classe média consumidora de drogas; 3) a polícia civil e 4) o BOPE.
O primeiro me parece sendo tratado como o pior deles. O uso de tortura e demais práticas desumanas é sugerido como necessário e impreterível para a contenção do tráfico nas favelas. Tudo isso pela tentativa de reter e até reduzir o acesso às drogas pelo lado da oferta.
Já o segundo grupo é claramente apresentado como o financiador indireto do tráfico. Aqui merece um destaque que é a crítica à alienação desta classe, pois consome drogas e ao mesmo tempo, acha-se no direito de mirar sua insatisfação ao sistema ou a instituições como a polícia. No filme, isso é tratado como a sua contradição na sociedade. Muitas vezes, conforme em cena numa faculdade, as críticas são de forma bastante superficial, o que descredita suas argumentações. Ademais, quando membros da classe média consumidora de drogas atuam em ONGs situadas nas favelas, mas que são financiadas diretamente pelo tráfico, nitidamente serve para acirrar ainda mais o seu papel contraditório e alienado na sociedade.
Por sua vez, o terceiro grupo, frequentemente alvo de maior volume de críticas, é demonstrado como corroborador da corrupção e do status quo conquistado pelas ações de traficantes e consumidores de drogas. Como se fosse um elo entre os dois grupos, garantindo a satisfação das necessidades de ambos quando esta transgride tudo aquilo para que deveria servir. É interessante como acaba sendo a polícia militar (BOPE) criticando a polícia civil, subdivisão pouca tratada quando se esboça qualquer análise do papel da polícia e de seu funcionamento.
Enfim, o último grupo, o BOPE (ou Tropa de Elite, como queiram), ao mesmo tempo que aparece como o único que toma providências para acabar com as mazelas causadas pelos outros três, este se usa de meios que aparentam (ou que visam ser creditados) como justificáveis, mas que na verdade afrontam em muito aqueles que defendem os direitos humanos de todos, e não só daqueles que não comentem crimes e irregularidades. Pois no filme, dada a inércia política das autoridades maiores, assim como a incestuosa inter-relação estabelecida entre os grupos beneficiados pela indústria do tráfico, o BOPE surge como agente destruidor do sistema ilegal instituido pelo crime organizado e, mais do que isso, surge como defensor dos interesses daqueles que são contrários ao que este sistema faz. É como o Maluf, que roubava, mas fazia. O BOPE aparece como o que bate, mas faz alguma coisa. Como Arnaldo Jabor fala na CBN, isso dá um sensação de alívio e de esperança a uma fatia da população, que se sente desassistida pelo Estado e já não aguenta mais tamanhas corrupção e ineficiência nos órgãos públicos, sustentadas pelos representantes escolhidos por nós.
Porém, vale lembrar, que o suposto mocinho provém da classe militar, classe esta que possui uma história de atos terroristas, torturas e transgressões aos direitos humanos no nosso país. Ao mesmo tempo, seus feitos exitosos como elevado crescimento econômico e garantia de maior segurança ainda não foram superados pelos civis, mesmo depois de 22 anos. Cabe ressalvar que os militares daquela época não são mais os mesmos de hoje, e os militares atuais possuem uma melhor consciência de seu papel na sociedade e arrisco dizer que duvido muito que defenderiam uma retomada de poder nos moldes do que foi estabelecido na época da ditadura (1964-1985).
Portanto, no meu modo de ver, a história contada em Tropa de Elite não possui mocinho. Só alguns são mais bandidos do que outros.