sábado, outubro 27, 2007

A impostura do Nobel de economia

Notícia tirada do jornal Le Monde Diplomatique, escrita por Hazel Henderson.

http://diplo.uol.com.br/2005-02,a1067

O prêmio instituído pelo Banco da Suécia nada tem a ver com o Nobel e servem para endeusar economistas americanos da Escola de Chicago

Nunca, na correspondência de Alfred Nobel, foi achada a menor menção relacionada a um prêmio em economia
Um protesto nada comum abalou o ambiente seleto da entrega dos prêmios Nobel. A voz de Peter Nobel, um dos herdeiros de Alfred Nobel, somou-se à sinfonia de protestos dos numerosos cientistas contra a confusão que envolvia o “prêmio do Banco da Suécia para as ciências econômicas, em memória de Alfred Nobel”. Depois de ter sido criado pelo Banco Central sueco, em 1969, esse prêmio de 1 milhão de dólares confunde-se com o verdadeiro Prêmio Nobel a ponto de ser designado, muitas vezes, como “o prêmio Nobel de economia” (em inglês, Nobel Memorial Prize).
O jornal sueco Dagens Nyheter, do dia 10 de dezembro de 2004, publicou uma matéria assinada pelo matemático sueco Peter Jager, membro da Academia Real de Ciências e pelo antigo ministro do Meio-Ambiente Mans Lonnroth, economista e antigo membro do Parlamento sueco. O artigo mostra, com detalhes, como certos economistas, entre os quais vários contemplados com o prêmio do Banco da Suécia, tinham feito mau uso da matemática ao criar modelos de dinâmicas sociais irrealistas.
“Nunca, na correspondência de Alfred Nobel, foi achada a menor menção relacionada a um prêmio em economia”, declara Peter Nobel, em uma entrevista exclusiva. “O Banco Real da Suécia colocou seu ovo no ninho de outro passarinho, muito respeitável, e transgrediu ‘a marca registrada’ Nobel. Dois terços dos prêmios do Banco da Suécia contemplaram economistas americanos da Escola de Chicago, cujos modelos matemáticos servem para especular nos mercados de ações e de opções, em oposição às intenções de Alfred Nobel, que pretendia melhorar as condições humanas.”
Os deuses da independência do BC
Em 2004, o prêmio consagrou dois economistas americanos que “demonstraram”, a partir de um modelo matemático, que os bancos centrais devem ser independentes
A escolha dos premiados de 2004 talvez tenha sido a gota d’água. Mais uma vez o prêmio consagrou dois economistas americanos. Os senhores E. Kydland e Edward C. Prescott, que, em um artigo de 1977, tinham “demonstrado”, a partir de um modelo matemático, que os bancos centrais deveriam ser independentes de todas as pressões dos políticos, inclusive em uma democracia. A apresentação dos laureados pelo prêmio do Banco da Suécia glorificava seus artigos de 1977 e “seu grande impacto nas reformas feitas em numerosos países, entre os quais a Nova Zelândia, Suécia, Inglaterra e Comunidade Européia, que confiaram as decisões da política monetária aos bancos centrais independentes”.
Ora, tais “reformas” colocam um problema nas democracias onde há preocupação com a transparência das decisões públicas. A política monetária determina a repartição das riquezas entre o credor e o devedor, a política de salários e da igualdade de oportunidades. Muito rigorosa, penaliza os assalariados, provocando desemprego, encarece o pagamento dos empréstimos em proveito das organizações de crédito e dos detentores do capital.
Os preconceitos ideológicos dos economistas neoclássicos estão estabelecidos1 da mesma forma que o irrealismo de muitos dos seus postulados. Mas um novo grupo de cientistas – em áreas tão variadas quanto a física, matemática, neurociência ou ecologia –quer, por sua vez, que o prêmio do Banco da Suécia para as ciências econômicas seja ampliado, corretamente atribuído, sem nenhuma ligação com o Prêmio Nobel; ou simplesmente abolido.
Erros fundamentais
A economia neoclássica se compara a uma crença religiosa, principalmente na sua fé na “mão invisível” dos mercados
Essas objeções provêem dos pesquisadores em ciências “duras”, que estudam o mundo natural, cujas descobertas são submetidas a verificação e a refutação. O prêmio de economia desvaloriza, na opinião deles, os verdadeiros Prêmios Nobel. Depois da obra clássica de Nicholas Georgescu- Roegen2, a economia recebe uma artilharia de críticas vinda de ecologistas, biologistas, especialistas em recursos naturais, engenheiros, especialistas em termodinâmica. O uso de um método multissetorial – economia ecológica, economia de recursos naturais etc. – não soluciona os erros fundamentais da economia neoclássica, que alguns comparam a uma crença religiosa, principalmente na sua fé na “mão invisível” dos mercados.
A velha questão de saber se a economia é uma ciência ou uma profissão volta à tona. A maioria dos seus “princípios” não sendo testáveis, como o são as leis da física, graças às quais pode-se enviar um foguete para a Lua, a economia seria antes uma profissão. Pode-se, por exemplo, demonstrar que o “principio” da optimalidade de Pareto3 ignora a questão da distribuição prévia das riquezas, do poder e da informação, levando assim a resultados sociais injustos.
A apresentação de dados matemáticos que envolvem estes conceitos serve, na maioria das vezes, para mascarar a ideologia subjacente. E também para colocar fora de alcance a compreensão do público e mesmo dos políticos, posto que os problemas costumam ser apresentados como muito “técnicos” para eles. Assim, não apenas os economistas ganham influência junto às poderosas instituições que os empregam, como também raramente são submetidos aos critérios de avaliação como em outras profissões. Um médico é processado se comete uma falta no tratamento de um doente. Os maus conselhos de um economista podem deixar um país doente e ele continuará a gozar de total impunidade.
Ciência revisitada
Novas descobertas dos pesquisadores em neurociência e cientistas do comportamento tocam a ferida constante dos economistas neoclássicos
As novas descobertas dos pesquisadores em neurociência, dos bioquímicos e cientistas do comportamento tocam a ferida constante dos economistas neoclássicos: a assimilação da “natureza humana” a um cálculo de um agente economista racional, obcecado pela preocupação de maximizar seu próprio interesse. Baseado no medo e na raridade, esse modelo é o do cérebro do réptil e com o caráter estreitamente territorial do nosso passado primitivo. Pesquisador em neurociência na Universidade de Claremont, Paul Zak demonstrou, ao contrário, que há uma relação entre a confiança que impulsiona os humanos a se reagruparem para cooperar entre si e um hormônio reprodutivo chamado ocitocina.
Por outro lado, David Loe revisitou os escritos de Charles Darwin e mostrou que, ao contrário do que se diz habitualmente, Darwin não se concentrou na “sobrevivência do mais apto” e na competição como um dos grandes fatores da evolução humana4 . Mais interessado na capacidade dos humanos em construir laços de confiança e usufruí-los, ele via no altruísmo um fator de sucesso coletivo. Outros trabalhos, retomando a teoria dos jogos, chegam a conclusões similares5 . Além disso, talvez seja o caso de nos perguntarmos como os humanos teriam passado do estágio de grupos nômades caçadores e colhedores ao de construtores de cidades, de empresas ou entidades internacionais como a União Européia ou as Nações Unidas.
Novo homem racional
A controvérsia sobre o “Prêmio do Banco da Suécia em ciências econômicas” fez ressurgir o questionamento sobre se essa profissão é uma ciência
Ao contrário do que postula a economia usuária da matemática, as pessoas não se comportam como átomos, bolas de golfe ou porcos da Índia. Longe do “homem econômico racional” imaginado nos livros teóricos, os humanos têm uma “racionalidade” sem relação com o sentido que os economistas dão a essa palavra. Complexas, suas motivações incluem o cuidado dos outros, a divisão e a cooperação, muitas vezes dentro de um contexto beneficente. As simulações informatizadas baseadas em grupos de agentes farão talvez a economia mais ”científica” no futuro. Atualmente, as hipóteses fundamentais da economia são patriarcais – o que abre um interessante campo de pesquisa para uma “economia feminista”.
A controvérsia sobre o “Prêmio do Banco da Suécia em ciências econômicas”, cujo objetivo era conferir a essa profissão a áurea de ciência, fez reaparecer todas essas questões importantes. Uma impostura científica é questionada. Se essa controvérsia não tem oportunidade de figurar no menu das elites reunidas em Davos, na Suíça, coberta de neve, ela merecia estar na agenda do Fórum Social Mundial.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 - Ler “Politics of the Solar Age”,1981, Toes Book, Nova york. 2 - Ler “The Entropy Law and The Economic Process”, 1971, reeditado 1999, Universe Lincoln (Nebraska). 3 - A idéia que a alocação de recursos em uma economia é tal que a partir de um certo momento não se pode melhorar a situação de alguém sem destruir a de outra pessoa. 4 - David Loye em “Darwin’s Lost Theory of love” (Excel 2000) 5 - Ver Robert Axebrod, “The Evolution of Cooperation”, basic Books, New York 1985 e também Robert Wright (2000) e Riane Eisler, “The Power of Partnership”, ew World Library (2003)

sábado, outubro 06, 2007

Crise das Contas Estaduais do RS: Criatividade X Ignorância

Como é bem sabido, não é de hoje que o Estado do RS atravessa dificuldade no saneamento de suas contas públicas. Veja-se o que os últimos quatro governos (Britto, Olívio, Rigotto e Yeda)fizeram nesse sentido.
Durante a gestão Britto (1995-1998), por exemplo, buscou-se basicamente uma solução por meio de três medidas: privatização, PDV (Pedido de Desligamento Voluntário, para funcionários públicos estaduais) e aumento da alíquota do ICMS, que naquela ocasião, passou de 17% para 18%. Ao mesmo tempo, contraditoriamente, concedeu incentivos e isenções fiscais sobretudo a grandes empresas jamais vistos no nosso estado, abdicando de um volume de receita considerável. E para piorar, foi a partir de sua gestão que se passou a comprometer 18% da receita com o pagamento da dívida junto à União, fato desencadeador da crise das contas públicas do estado que vivenciamos hoje.
Em seguida, apareceu o Governo Olívio (1999-2002), que se optou pela manutenção e pelo fortalecimento dos órgãos e estatais, praticou uma política fiscal mais expansionista, com retorno da alíquota do ICMS para 17% e elevação dos gastos do governo. Nesse período, aumentaram as contratações de CC's (embora muitos CC's tenham sido repartidos, por exemplo, uma vaga de CC de R$ 5.000,00 no governo Britto se transformava em duas de R$ 2.500,00) e de funcionários públicos. Porém, foi muito mais criterioso na concessão de benefícios fiscais, privilegiando MPMes e poucas grandes empresas cujos investimentos complementassem a estrutura industrial gaúcha, como o Ceitec (chips) e a Fibraplac (MDF). Buscou a implementação de um pacote de reestruturação da matriz tributária, com elevação de alíquotas para produtos mais supérfluos e de redução para produtos da cesta básica. Obviamente, devido à miopia dos membros de nossa sociedade gaúcha (principalmente empresariado), não obteve apoio para tanto.
Rigotto, em seu governo (2003-2006), praticou uma política híbrida, mantendo a concessão de incentivos fiscais sem muita seleção, como fizera Britto, mas não recorreu às privatizações, tal qual fez Olívio. Ao contrário de seu antecessor, em que a economia gaúcha cresceu acima da nacional, puxada pelas exportações (chegamos a ser o segundo estado exportador naquele período), o ritmo de crescimento do PIB estadual foi inferior à media brasileira e perdemos competitividade nas exportações, caindo a nossa colocação no ranking nacional para a 4ª posição. Procurou também mudanças nas alíquotas do ICMS, sob a forma de redistribuição do ônus do imposto entre setores, propondo a criação de um fundo setorial, tal qual como tentou Olívio. Mesmo gozando de maior apoio das elites empresariais do que seu antecessor, também fracassou em suas intenções. Por esse motivo, lançou-se de empréstimos para o pagamento do 13° do funcionalismo.
Diante de tal crise, Yeda assumiu o governo no começo deste ano com uma aliança política excessivamente extensa, o que atrapalhou suas intenções de redução de secretarias e do fisiologismo político na definição dos ocupantes dos cargos de 1° e 2° escalão. Ainda, quando se elegeu no ano passado, solicitou para Rigotto lançar um plano de reestruturação fiscal nos moldes dos dois anteriores, implicando na desistência de Berfran Rosado (PPS) para ocupar uma de suas secretarias e na patética (e hipócrita) reação de seu vice, o empresário Paulo Feijó, estampando em sua camisa um adesivo contra aumento de impostos no dia da votação do pacote na assembléia legislativa.
Yeda conta com uma equipe econômica competente para a busca de soluções para crise. Tão competente que propôs um novo pacote de ajuste das contas (ver http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u334038.shtml). Destaca-se, pela criatividade de seus propositores, a redução de concessão de incentivos fiscais e a Lei de Responsabilidade Fiscal para todos os poderes. Contudo, por outro lado, observa-se a mesma ignorância no assunto dos nossos nobres deputados e de seus representados (elite empresarial).
Enfim, não obstante seja possível reduzir desperdícios de despesas do governo e elevar a eficiência dos serviços públicos, não creio que uma mera redução dos gastos públicos (ou o famoso "choque de gestão") seja o suficiente para reorganizar as contas do Estado e melhorar consideravelmente o grau de solvência do RS. Em Minas Gerais, Aécio Neves só conseguiu isso porque a economia daquele estado foi puxada pelas exportações, gerando uma contrapartida pelo lado da receita de ICMS. O nosso Estado precisa também desse tipo de receita, mas nossa economia não está gerando o necessário.
Não concordo com o novo pacote de Yeda como um todo, mas reconheço que é um dos melhores até agora apresentados. Porém, do que serviu o Pacto Social? Onde está o apoio que o governo tanto precisa? Por que não se implementa na íntegra o que consta no documento? Garanto que elevaria o apoio político do governo, que anda um tanto desgastado. Se não fosse o suficiente (o que é muito provável), provaria que nossa elite é míope e que suas propostas podem servir para a administração de suas empresas, mas não se adaptam tão facilmente às necessidades da gestão pública do RS. Só assim a criatividade dos tecnocratas superaria a ignorância dos deputados, empresários e formadores de opinião gaúchos.